quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Cativeiro.

Finalzinho de manhã no Pontal da Barra em Maceió. Sob um sol escaldante de verão lá estava mais uma vez toda familia alegremente reunida no pequena espaço em que foram instalados há alguns anos. Embalados pela leve brisa que de vez em quando soprava timidamente eles observavam a cena que se repetia todo final de semana. Gente bronzeada e eufórica se dirigindo ao restaurante para saborear frutos do mar e apreciar a bela paisagem da lagoa. Mas, o que aparentava ser mais um dia de rotina repentinamente transformou de forma radical o destino de um deles. A aproximação de um grupo muito falante parecia inofensiva pelo modo aparentemente amigável que conversavam entre si e pelos elogios que teciam sobre o local. Percebendo que também eram alvo da admiração dos visitantes sentiram-se orgulhos da harmonia e beleza que ostentavam. Se deixar levar pela vaidade talvez tenha sido um erro crucial, porque a história muda seu rumo quando uma mulher do grupo se dirige ao mais jovem, balbucia algumas palavras que ele não compreende e num movimento brusco o separa dos entes queridos. Ainda sem entender o que está acontecendo ele é levado para um local distante e totalmente diferente de onde nascera e crescera. Ali permanece imóvel, apreensivo e receoso pela sua vida. Assustado percebe que alguém se aproxima e novamente lhe dirige a palavra. O medo o domina outra vez e ele não consegue decifrar o que foi dito. Com muito esforço percebe que se trata de uma mulher que veio lhe deixar um pouco de água e se afasta novamente. Vem a noite e com ela a tristeza. Sozinho,distante da família, num ambiente hostil ele sente-se enfraquecido e propenso a deixar a vida se esvair aos poucos. Mas, o desejo de rever a família é maior e ele luta bravamente para sobreviver na esperança de voltar pra casa. Porém, mais um dia se passa e a situação só é alterada quando a mesma mulher retorna trazendo mais um pouco de água, repete as mesmas palavras incompreensiveis e afasta-se novamente. Mais um dia de solidão lembrando da folia que era sua vida famliar e que fora transformada tão abruptamente. À noite a mulher retorna, cumpre seu ritual e novamente afasta-se. À noite ele chora de saudade e tristeza e já não tem esperanças de tornar a ver seus familiares. Ao amanhecer do segundo dia ele percebe uma alteração na rotina. Após colocar a água a mulher não se afasta, mas pega-o delicadamente e leva-o consigo. Ele alegra-se pensando que será devolvido ao seu antigo lar. Mas, apesar de perceber o esforço da mulher para deixá-lo o mais confortável possível, sua aflição aumenta à medida que sente os solavancos do carro, pois deduz que está sendo transportado para um local mais distante. O que fazer? O que pensar? Será que seus pais e irmãos sentem sua falta da mesma maneira que ele sente a deles? Perdido em seus pensamentos não percebe que chegou ao seu novo destino. Mais, uma vez a mulher o deixa sozinho, mas desta vez teve a precaução de deixá-lo sem água. E agora? Seria o fim? Ela iria deixá-lo morrer à mingua? Muito tempo depois ela volta, coloca-o em um local parecido com sua antiga casa e dirigi-lhe novamente a palavra. Mas, desta vez ele se esforça pra entender o que ela diz. Afinal ele precisava entender o que estava acontecendo. Foi então que pela primeira vez teve a coragem de encará-la e teve a sensação de perceber em seu rosto uma expressão amigável . Estaria ficando louco? Afinal não fora ela que o arrancara do convívio de seus familiares? Foi então que lentamente começou a compreender o que estava acontecendo. Admirada com sua beleza e a de seus parentes, a mulher resolvera trazer para sua cidade um representante da família. Agora ele, um pequenino broto de Ligustro Arbustivo, estava confortavelmente instalado em um pequeno jardim numa residência no Recife, bem diferente daquele pequenino canteiro onde se espremia com seus familiares no restaurante de Maceió. Lá eles apenas enfeitavam a entrada do restaurante e poucas pessoas notavam a beleza e harmonia de suas folhagens e pequeninas flores. Aqui ele estava sendo introduzido em um mundo novo com uma maior variedade de plantas e incumbido de reproduzir e preservar sua espécie. O que ele pensava ser o fim na verdade se tornara o inicio de uma vida nova e a responsabilidade de formar uma nova geração. Para isso ele precisaria ser forte e corajoso para produzir brotos saudáveis para ornamentar sua nova morada e dar continuidade a sua espécie. E assim foi feito!


Créditos: Imagem: Rui Bonito. Papier by Gwenn. Photomask by Jaana Säker